A sutil diferença entre tradução e localização
Entenda o que diferencia uma atividade da outra.
Você já ouviu alguma vez a expressão “lost in translation”? No nosso bom e velho português brasileiro, ela significa que algum conteúdo foi perdido durante o processo de tradução do texto. Isso acontece — e muito — quando pensamos apenas no sentido literal do que está sendo passado de um idioma para outro.
Temos também a localização, que, assim como a tradução, consiste em passar um texto de uma língua para outra. Contudo, existe uma diferença entre essas duas técnicas que pode alterar completamente o sentido do produto final e, desta maneira, comprometer seu entendimento pelo público.
Colocando os pingos nos is
Gosto de falar da diferença entre tradução e localização porque são conceitos que muitas pessoas ainda confundem, especialmente porque estão dentro do mesmo âmbito de passar um texto de um idioma para outro. A princípio, usarei como exemplo uma das cenas iniciais de Sonic 2 – O Filme.
No áudio original, o ouriço azul exclama “This is only a drill!” enquanto segura uma parafusadeira (drill) — e essa é a graça da piada em inglês. Se fôssemos traduzir essa frase ao pé da letra, teríamos “Isto é apenas uma furadeira!”, algo que, para nós, ficaria sem sentido algum. Sendo assim, a adaptação de Gregor Izidro localizou a frase para “É apenas um ajuste!”, já que, na cena, Sonic está desparafusando a van para evitar que as pessoas se machuquem.
Em um exemplo mais atual, podemos citar Digimon Survive (Multi). Em um exemplo, a frase “That knucklehead over there is Minoru, and the girl lecturing him is Aoi.” foi localizada para “Aquele bocó ali é o Minoru, e a garota dando sermão nele é a Aoi”.
Se pensarmos em como seria uma tradução literal, teríamos algo como “Aquele idiota ali é Minoru, e a garota dando bronca nele é Aoi”. Apesar de fazer sentido para nós, falantes do português brasileiro, levando em consideração que um adolescente (Takuma) está apresentando o resto do grupo, a equipe de localização preferiu usar termos mais comumente usados no nosso dia a dia, ou seja, uma linguagem mais coloquial.
Em contrapartida, em Azure Striker Gunvolt 3 (Multi), a equipe de localização preferiu manter o texto o mais próximo possível do original em inglês — este, por sua vez, bem similar ao original em japonês — para evitar discrepâncias entre eles.
No entanto, nem sempre o trabalho de tradução sai como esperado. Isso pode ser visto, por exemplo, em Fire Emblem Heroes (Mobile), cuja tradução em “português brasileiro” muitas vezes não faz sentido.
A habilidade Reposition, em inglês, foi traduzida para refúgio em português e, em italiano, para spostamento. Tanto em inglês quanto em italiano, os termos passam a ideia de mudar a posição de algo (neste caso, o alvo da habilidade), mas a escolha para refúgio, mesmo que faça sentido em relação ao funcionamento da técnica, é um belo exemplo de significado perdido na tradução.
Ainda usando o jogo citado acima como objeto de análise, temos a Scallop Blade. “Scallop” é um termo genérico que engloba moluscos bivalves da família Pectinidae, como a vieira, que foi escolhida na tradução para italiano (cozza). Contudo, o mesmo não se pode dizer da escolha em português, “caracol”, que nada tem a ver com esses moluscos. Uma solução seria utilizar um termo mais genérico, como “ostra”.
Parecidos, mas não iguais
Quando falamos em tradução, queremos que o material seja usado de maneira mais global, com termos que se aproximam tanto no texto de origem quanto no de chegada (novamente, o exemplo de Reposition e spostamento), mesmo que não seja uma tradução totalmente direta ou literal. Já no caso da localização, temos não apenas a tradução de um conteúdo, mas também a inclusão de aspectos culturais, regionais e linguísticos do público que consumirá o material.
Então, mesmo que tradução e localização sejam processos similares em sua natureza, essa pequena diferença entre tratar o texto como macro ou micro resulta em dois produtos distintos. Sendo assim, a pergunta que faço a você é: fica melhor um jogo localizado, como em Digimon Survive, ou um traduzido, como Azure Striker Gunvolt 3?
Esta reportagem foi publicada originalmente no site Nintendo Blast, em 21 de agosto de 2022.
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