Exposição em SP conta origem inusitada da tradução simultânea: o Tribunal de Nuremberg, que puniu os nazistas

A mostra ‘1 Julgamento, 4 Línguas: os pioneiros da interpretação simultânea em Nuremberg’ fica em cartaz no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo até 10 de abril

Sabe quando você assiste à cerimônia do Oscar e assim que alguém começa a falar surge uma dublagem em português? Trata-se de tradução simultânea, técnica que permite que todo mundo se entenda em sessões da ONU, reuniões de multinacionais e transmissões ao vivo. Uma exposição inaugurada hoje no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apresenta a origem um tanto insólita desta atividade: o julgamento de Nuremberg, que puniu nazistas após a Segunda Guerra Mundial.

Organizada pela Associação Internacional de Intérpretes de Conferência (AIIC), a mostra “1 Julgamento, 4 Línguas: os pioneiros da interpretação simultânea em Nuremberg” tem curadoria da alemã Elke Limberger-Katsumi e já passou por uma dezena de países. Permanece em cartaz em São Paulo até 10 de abril e depois segue para Rio e Brasília.

Apresentada pela primeira vez há dez anos, no Memorium Museum, em Nuremberg, a mostra vem sendo expandida com a inclusão de materiais cedidos pelas famílias dos tradutores que trabalhavam no tribunal, como fotografias, cartas e diários.

Em São Paulo, estarão expostos textos sobre o papel da tradução simultânea no julgamento, imagens de arquivo, notícias da época e fac-símiles de diários e cartas escritos pelos intérpretes e até dos desenhos que uma tradutora fazia entre uma sessão e outra. Haverá visitas guiadas e, no Salão do Júri, serão exibidas palestras (já gravadas) sobre as origens da tradução simultânea e a tarefa dos intérpretes em zonas de conflito. Serão disponibilizadas tradução simultânea em português e inglês e interpretação em libras.

Tudo ao mesmo tempo

Promovido pelas potências vencedoras da Segunda Guerra (Estados Unidos, União Soviética, França e Reino Unido), o julgamento de Nuremberg se estendeu de novembro de 1945 a agosto do ano seguinte. O júri analisou 117 crimes; dos 22 réus, 12 foram condenados à morte, sete à prisão e três foram absolvidos. Quatro línguas eram faladas no tribunal: inglês, francês, alemão e russo. Para assegurar o direito de defesa dos réus, cada palavra tinha que ser traduzida nas quatro línguas. Daí a necessidade da interpretação simultânea, realizada em tempo real (com um atraso médio de seis a oito segundos).

O problema é que a técnica ainda engatinhava, embora algumas experiências bem-sucedidas já tivessem ocorrido na Organização Internacional do Trabalho, em Genebra. Mas nada semelhante a Nuremberg havia sido tentado. Na época, só estava consolidada a interpretação consecutiva, na qual alguém fala por um período e então é traduzido. No entanto, se a interpretação consecutiva tivesse sido usada, o julgamento teria sua duração quadruplicada, porque cada discurso seria dito quatro vezes, em quatro línguas diferentes.

A tecnologia apropriada para a interpretação simultânea (composto pelo conjunto de microfone, fone de ouvido e receptor, o aparelhinho onde se escolhe o idioma que quer ouvir) ainda não existia e foi desenvolvida pela IBM. O coronel franco-americano Léon Dostert, tradutor pessoal do general Dwight D. Eisenhower (que se tornaria presidente dos EUA), foi escalado para treinar os intérpretes de Nuremberg.

Em suas memórias, o tradutor francês Stefan Priacel registrou ter ficado “estupefato” ao saber que a interpretação deveria ser simultânea. Ele só conhecia a consecutiva. “Se entendi bem o que os senhores querem, trata-se de um esforço de concentração que não posso sustentar por muito tempo”, disse ele quando foi chamado a fazer um teste para trabalhar no julgamento. Mas Priacel passou no teste e se tornou um intérprete renomado.

Ao todo, 36 intérpretes atuaram em Nuremberg. Para abafar o barulho do tribunal, eles ficavam atrás de uma parede de vidro (hoje, usam-se cabines à prova de som). O julgamento podia ser interrompido caso fossem identificados problemas na tradução. Diretor do grupo de trabalho da exposição, o britânico George Drummond explica que os princípios de confidencialidade e neutralidade afirmados em Nuremberg ainda guiam a atuação dos intérpretes. E manter-se neutro não era fácil.

— Vários deles haviam sido vítimas do nazismo — disse ele, em entrevista ao GLOBO com tradução simultânea por exigência da organização da exposição. — Uma delas, Genia Rosoff, membro do Partido Comunista e da Resistência Francesa, passou mais de um ano no campo de concentração de Ravensbrück. Seis meses depois de libertada, estava trabalhando em Nuremberg.

Eficiência

Dois tradutores de Nuremberg ainda estão vivos: a francesa Marie-France Skuncke e o russo Enver Mamedov. Drummond conta que a atuação e a biografia ainda pouco conhecida dos intérpretes são o que mais impressionam os visitantes. Na verdade, a excelência dos tradutores impactou até um réu nazista: Hermann Göring, uma das figuras mais poderosas durante o reich de Hitler.

— Göring se abalou com a eficiência do sistema de tradução, que expunha seus crimes em vários idiomas — conta Drummond. —Chegou a dizer que “os intérpretes estão encurtando nossas vidas”. Condenado à morte, cometeu suicídio na cela, antecipando sua sentença.

Esta reportagem foi publicada originalmente no site O Globo, em 10 de março de 2023

Foto de National Museum of Denmark na Unsplash

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