A tradução do intraduzível

“Saudade” é mais do que uma simples palavra

“Saudade” é uma palavra intraduzível, que só existe em português. Ou é isso que diz a maioria das pessoas. Nada poderia estar mais longe da verdade! Isso virou uma questão de orgulho para o brasileiro: ser único no mundo. Sinto lhes informar que nada nem ninguém é assim tão especial. Mas por que, então, essa dificuldade em traduzir essa palavra?

Bom, para começar, “saudade” é mais que uma simples palavra, é também um conceito com fortes ligações culturais. Uma língua natural é algo fascinante; um organismo vivo que convive em sociedade com a cultura em que habita, sendo influenciado e influenciando-a. 

Por ser algo vivo, a língua está sempre em mudança, por isso que o “falar errado” é meramente uma questão de timing. Como exemplo: hoje em dia, todos misturamos a segunda com a terceira pessoa do singular em um mesmo enunciado. Uma blasfêmia para os antigos! Quem nunca disse “queria encontrar com você para te dar seu presente”, ou algo assim. 

Por sorte, a língua evolui e se modifica para atender às necessidades de seus falantes, ou estaríamos sempre fadados a parecer pedantes ao extremo – pensem na mesóclise + futuro: dar-te-ei o presente amanhã. Já imaginaram escrever assim no WhatsApp? Só ia faltar um monóculo e uma cartola…

Mas voltemos à saudade. Sua etimologia é um pouco complexa: ela provém do termo latino “solitas”, que significa “solidão”, mas, por influência de palavras como “saúde” e “saudar”, transformou-se na palavra “saudade” como conhecemos. Ou seja, em sua formação temos o estado de estar só, do sentimento de solidão, associado ao ato de receber e nutrir esse sentimento evocado pelo verbo “saudar”. Hoje, ela ainda vai além dessa carga semântica original. Saudade é saudade, recusa explicações complexas. Então, como traduzi-la?

Para começar, temos que entender a questão da tradução e como ela é feita. Durante muitos anos e ainda hoje presente na cabeça de muitos, a tradução era ligada a equivalência. Com isso, uma palavra tinha que corresponder a uma única outra palavra e por aí vai. Contudo, as línguas não se comportam assim.

Cada língua natural possui suas idiossincrasias e, às vezes, um verbo em uma língua se torna substantivo em outra ou vice-versa. Isso ocorre com “saudade” em várias línguas naturais, como em inglês por exemplo. Dizemos “I miss you”, ou “eu sinto falta de você”. Porém, a tradução não pode ser literal ou se pautar pela equivalência, pois nem as línguas operam assim. O que dizer, então, das hipérboles, dos eufemismos, das metáforas e afins? Estariam com os dias contados. Então, qual é o objetivo da tradução? O mesmo de qualquer enunciado linguístico: a comunicação.

O que se busca é a compreensão da fala ou da escrita e dos conceitos ali inscritos.

Assim, o importante é traduzir o conceito de “saudade” – seu significado –, e não a palavra em si – ou o significante para os linguistas de plantão. Para os que ainda ficam incomodados com a falta de equivalência, vocês têm que pensar que o que estão querendo traduzir não é um enunciado, mas sim as classes gramaticais da frase, querem que um substantivo se traduza em outro substantivo, e por aí vai. 

Se isso fosse possível, a linguística não ia ser uma linha de estudo tão fascinante, sem dizer necessária. Por isso, da próxima vez que quiserem traduzir “saudade”, lembrem-se: o substantivo pode não permanecer, mas o conceito e o sentimento por trás dele podem ser compartilhados por todos.

Esta reportagem foi publicada originalmente no site Tecnoblog, em 14 de março de 2023

Créditos da imagem: Unsplash.

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