Noruega faz congresso para tradutores de 60 países e brasileiros ganham prêmio

Em artigo, tradutor Leonardo Pinto Silva relata os dias do seminário promovido pela Norwegian Literatura Abroad (Norla), agência de fomento literário; do Brasil, estavam presente ele e Guilherme da Silva Braga, ambos premiados no evento

Nessa época do ano nessa latitude, o sol só se põe às 23h e o horizonte crepuscular perdura até umas 4h da manhã, quando raia o dia novamente. Foi nesse cenário de contos de fadas que uma babel em miniatura fugazmente se ergueu e se desfez. De 26 a 28 de junho, cerca de 150 tradutores do norueguês oriundos de 60 países, compreendendo mais de 40 idiomas diferentes, reuniram-se num luxuoso hotel nos arredores de Oslo para um seminário promovido pela Norwegian Literatura Abroad (Norla), agência de fomento literário. Do Brasil, participamos meu colega Guilherme da Silva Braga e eu.

O encontro deveria ter ocorrido na sequência da Feira do Livro de Frankfurt de 2019, que teve os noruegueses como convidados de honra, mas precisou ser adiado devido à pandemia da covid, atraso que de modo algum arrefeceu o compromisso do país com a literatura, segundo afirmou Erling Rimestad, secretário das Relações Exteriores, num discurso de abertura em que ressaltou a importância da boa tradução como elemento essencial à diplomacia. “É a primeira vez que me dirijo em norueguês para tantas pessoas de idiomas diferentes e sou compreendido”, disse ele arrancando risos da plateia na abertura do evento — patrocinado, aliás, justamente pela chancelaria e não pelo Ministério da Cultura norueguês.

Não é nenhuma peculiaridade em si: qualquer país decente mantém um programa decente de fomento literário, interno e externo, inclusive o Brasil. O que sobressai no caso desse país periférico do extremo norte europeu são três aspectos: em primeiro lugar, o financeiro. A partir da década de 1980, quando já ricos ficaram trilionários com os lucros do petróleo, os noruegueses não negligenciaram a cultura na dotação orçamentária, não só por sua importância intrínseca, mas de olho também na geopolítica. Dinheiro muito, sim, mas muito bem empregado.

O outro aspecto, causa e consequência do primeiro, é uma política de Estado ativa, consistente e eficaz, que não apenas anima o mercado interno com instrumentos como compras governamentais, garantia de preço mínimo e forte atuação sindical, mas oferece uma série de generosos incentivos para que a literatura tenha assumido um protagonismo na pauta de exportação norueguesa. Esses incentivos incluem subsídios para tradução, produção editorial e até mesmo ações de marketing com a presença dos autores em feiras e lançamentos no mundo inteiro. A propósito, estarão mesmo as editoras brasileiras cientes e aproveitando toda a extensão dessas possibilidades?

Nada disso importaria, porém, sem um terceiro e essencial fator: a qualidade intrínseca da produção. De clássicos a contemporâneos, ficção ou não ficção, a Noruega é uma potência literária cuja tradição que começa com clássicos do século XIX, como Wergerland, Ibsen e Bjørnson, e se reflete em contemporâneos como Karl Ove Knausgård, Jon Fosse, Åsne Seierstad e outros nomes — infelizmente — menos conhecidos no Brasil, como Roy Jacobsen, Hanne Ørstavik e Kjell Askildsen, apenas para citar alguns. Os livros são tão presentes no dia a dia local que uma pesquisa realizada pelo Google Trends no final de 2022 revelou que a profissão mais cobiçada na Noruega, assim como em todos os demais países nórdicos, é a de escritor — em comparação, a mesma pesquisa mostra que o trabalho dos sonhos do brasileiro é ser empresário.

Um dos temas principais do congresso, “Natureza e tecnologia”, não podia ser mais apropriado a um país cuja geografia única ocupa, com justa razão, um protagonismo na produção literária, ficcional ou não. Coube a Jostein Gaarder, principal responsável pelo impulso da literatura norueguesa na década de 1990 com O mundo de Sofia, incendiar a plateia com seu entusiasmo juvenil, a despeito dos 70 anos de idade, com tema preferido: a consciência de ser e a singularidade e importância de habitarmos um planeta como a Terra. Dito assim soa até banal, mas a capacidade que os escandinavos em geral, e noruegueses em particular, têm de extrair da banalidade seu lado mais sublime é algo digno de nota.

Para bem e para mal, há muito pouco espaço para o improviso aqui. Em três dias intensos, houve espaço tanto para o aspecto técnico — seminários, oficinas, contato agentes e palestras de especialistas e autores consagrados — como também para o que de melhor havia a desfrutar em termos de acomodação, gastronomia, música e uma ampla variedade de atividades, incluindo até algumas mais inusitadas. A autora Vigdis Hjorth, por exemplo, fez uma performance impactante associando a arte do bordado à escrita, e, aqueles que desejaram, puderam acordar às 4h30 da manhã para uma excursão a um lago próximo para observar aves locais e migratórias. Abatido pelo jetlag, decidi ir. Afundei os pés na lama, caminhei quilômetros, voltei às 8h para o hotel, faminto e encharcado pela garoa persistente, e não me arrependi um só minuto, mesmo tendo um longo dia pela frente.

O emocionante encerramento, uma saudação aos tradutores, que aqui não são nem invisíveis nem invisibilizados, ficou a cargo de três escritoras — Maria Parr, Siri Pettersen e Erika Fatland — que, cada uma a seu estilo, deixaram os marejados os olhos da plateia majoritariamente composta por estrangeiros, sim, mas também escritores, representantes do governo, especialistas nos mais diversos temas e, é claro, a enxuta equipe do escritório literário norueguês responsável por organizar o evento. Tamanho reconhecimento para a relevância da tradução, no entanto, não é corriqueiro, nem em outros países europeus, mesmo escandinavos — nos 25 anos em que venho traduzindo profissionalmente conheço nada comparável a isso.

Pessoalmente, portanto, já considerava mais essa oportunidade uma premiação e tanto, mas para os brasileiros estava reservada uma surpresa extra, que só nos foi revelada na cerimônia, um jantar de gala no primeiro dia, daí um certo cabotinismo neste texto, mas julgo importante mencionar como nota final a título de agradecimento: ganhamos, Guilherme e eu, respectivamente, o prêmio de tradutor de ficção e de não ficção do ano oferecido pela Norla pelo trabalho que ambos fazemos em prol da literatura norueguesa no Brasil. O prêmio consiste em 20 mil coroas, uma gravura especialmente desenhada pela ilustradora Anne Fiske e uma estadia na Litteraturhuset de Oslo, e nos foi entregue pela diretora da Norla, Margit Walsø. Peço licença ao meu compatriota laureado para atribuir a premiação também à reentrada do Brasil no cenário que lhe é de direito no mundo civilizado, e para encerrar este texto à maneira dos anfitriões:

— Ja, vi elsker dette landet!**

*Leonardo Pinto Silva, 52, é graduado em jornalismo e administração e vem atuando como tradutor do norueguês/sueco/dinamarquês/inglês no Brasil há quase 30 anos. O mundo de Sofia (Jostein Gaarder, Companhia das Letras), A fronteira (Erika Fatland, Âyiné), A arte de matar uma democracia — A história do Brasil de Bolsonaro (Torkjell Leira, Rua do Sabão) são algumas de suas traduções.

**NT: “Sim, nós amamos este país” é o título e primeira frase da estrofe do hino da Noruega, cuja letra foi escrita em 1870 por Bjørnstjerne Bjørnson.

Esta reportagem foi publicada originalmente no site PublishNews, em 4 de julho de 2023.

Créditos da imagem: Unsplash.

ESTÁ BUSCANDO UMA EMPRESA DE TRADUÇÃO CONFIÁVEL?

Oferecemos serviços com alto padrão de qualidade, agilidade e confiabilidade para atender às suas necessidades de comunicação em um mundo cada vez mais globalizado.